quinta-feira, agosto 20, 2015

regresso ao pinhal a que chamo casa

Há filmes que nos atiram com estrondo para a infância. Para essas memórias que já parecem tão distantes mas em dias como este passam pela cabeça num corropio frenético de momentos que nos fizeram ser o que somos hoje em dia (em parte). Recordo-me de escrever mensagens para o meu 'eu' mais velho. Queria que ele me respeitasse e se lembrasse de mim. Ideias infantis e que faziam tanto sentido na altura. Talvez soubesse que os adultos esquecem. Que os adultos distanciam-se desses sentimentos infantis, de criatividade pura e abertura completa ao mundo real e imaginário. Recordo-me dos primeiros pesadelos, depois de ter acordado uma noite sem os meus pais em casa e ter deambulado de meias pelo pinhal a que ainda chamo casa (embora já lá não viva) a chorar e a imaginar-me abandonado. Recordo-me dos cheiros do pinhal nas várias estações do ano, dos dias de chuva, de brincar na lama (maravilha). Recordo-me de imaginar mundos e embarcar em lutas de espadas de madeira com as árvores, de espiar à noite a minha própria casa do lado de fora - e de assustar assim a minha mana mais nova. Recordo-me de correr pelo pinhal abaixo e acima e de esfarrapar os joelhos vezes sem conta. Depois vieram as corridas de bicicletas, pinhal abaixo para ganhar velocidade, e os espalhos mais agrestes depois de esbarrar em raízes de árvores a velocidade excessiva - dessas memórias ainda tenho marcas no corpo. Recordo-me da liberdade de abrir a porta de casa e continuar em casa, com o pinhal como quintal onde podia fugir, berrar, cantar e jogar à bola de estádio cheio (era perito em comemorar golos após tiros perfeitos às paredes). Recordo-me de escrever o meu nome nas paredes, porque queria deixar a minha marca, sem pensar em consequências - nem todos achavam que o nome do puto devia de estar nas paredes. Enfim, recordo-me de tanta coisa em que não pensava há tantos anos. O miúdo que fui ainda está por aqui, a espaços. Obrigado pelo bom filme, pelas boas sensações e pelas memórias reavivadas, monsieur Jeunet.

(O filme? The Young and Prodigious T.S. Spivet)