terça-feira, março 12, 2024

certezas leva-as o vento

quão confiantes somos e com quão certos estamos de algo ou conseguimos ser? em criança passamos de ter todas as certezas, a não ter nenhumas, num espirro. em adultos aprendemos a tentar parecer ter mais certezas, mesmo sem as ter. as certezas não se vendem e normalmente quem mais as tem, menos sabe ou acerta. não deixa de ser um objectivo humano em busca muitas vezes de foco e propósito.



“Certezas, precisam-se”, António Gedeão

Preciso urgentemente adquirir meia dúzia de valores absolutos,

inexpugnáveis e impenetráveis

firmes e surdos como rochedos.


Preciso urgentemente de adquirir certezas,

certezas inabaláveis, imensas certezas, montes de certezas

certezas a propósito de tudo e de nada,

afirmadas com autoridade, em voz alta para que todos oiçam,

com desassombro, com ênfase, com dignidade,

acompanhadas de perfurantes censuras no olhar carregado, oblíquo.


Preciso urgentemente de ter razão,

de ter imensas razões, montes de razões

de eu próprio me instituir em razão.

Ser razão!

Dar um soco furibundo e convicto no tampo da mesa

e esplanar razões nas ventas da assistência.

 

Preciso urgentemente de ter convicções profundas,

argumentos decisivos,

ideias feitas à altura das circunstâncias.

Preciso correr convictamente ao encontro de qualquer coisa,

de gritar, de berrar, de ter apoplexias sagradas

em defesa dessa coisa.

Preciso de considerar imbecis todos os que tiverem opiniões diferentes da minha,

de os mandar, sem rebuço, para o diabo que os carregue,

de os prejudicar, sem remorsos, de todas as maneiras possíveis,

de lhes tapar a boca,

de lhes cortar as frases no meio,

de lhes virar as costas ostensivamente.

Preciso ter amigos da mesma cor, caras unhacas,

que me dêem palmadinhas nas costas,

que me chamem pá e me façam brindes

em almoços de camaradagem.

Preciso de me acocorar à volta da mesa do café,

e resolver os problemas sociais

entre ruidosos alívios de expectoração.

Preciso de encher o peito e de cantar loas,

e enrouquecer a dar vivas,

de atirar o chapéu ao ar,

de saber de cor as frequências dos emissores.


O que tudo são símbolos e sinais de certezas.

Certezas!

Imensas certezas! Montes de certezas!

Pirinéus, Urais, Himalaias de certezas!


via mundo dos livros