domingo, junho 10, 2018

why so... the end

post não recomendado a pessoas sensíveis) 

13 Reasons Why. Oficial e Cavalheiro. O Clube dos Poetas Mortos. Anthony Bordain (já nem falo em Robin Williams, Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Chris Cornell, Ernest Hemingway, Sylvia Plath, Michael Hutchence, Tony Scott ou Robert Enke). O que tem tudo isto em comum? Alguém que toma a decisão de deixar de viver. 
É uma das coisas que podemos controlar na vida: acabar com ela. É um tema difícil e de poucas respostas. 

Em 13 Reasons Why, a série do Netflix, há uma adolescente que no auge de uma cultura de humilhação na sua escola - não falta violação - decide deixar de viver (corta os pulsos na banheira). É uma decisão, aparentemente, ponderada. Fez listas de razões para viver e para morrer. A série de grande qualidade levanta questões centrais na cultura adolescente das últimas décadas e faz-nos pensar seriamente sobre a condição humana. Pena que a segunda temporada seja tão pobre em história...

Oficial e Cavalheiro é de 1982. Tinha um ano quando foi lançado. Vi o filme uns anos depois, claro. Acho que foi a primeira vez que vi o tema suicídio aparecer de forma tão clara - por essa altura o irmão de um amigo do meu pai, que acumulou dívidas de jogo, suicidou-se e lembro-me do incómodo dos adultos em falar ou responder a perguntas sobre o tema. O melhor amigo de Richard Gere (Mayo) no filme, pressionado pela família rica em casar-se com quem não amava e enganado pela 'amante' que amava (disse-lhe que estava grávida mas mentiu) suicida-se por enforcamento. É assim que Mayo o encontra num quarto de motel (ainda o tenta salvar). Tristeza, lágrimas e alguma revolta de Mayo e de mim, a ver o filme... Naquele caso também foi algo minimamente planeado, mas em resposta direta a um acontecimento (desistiu da Academia e de ser Oficial da Marinha para pedir em casamento a amante que achava grávida mas ela só o queria como oficial). 

O Clube dos Poetas Mortos é de 1990. É um dos filmes da minha vida e aquele que mais me marcou na pré-adolescência por vários motivos. Neil Perry (Robert Sean Leonard), pressionado pelo pai em seguir medicina e já com a certeza que não o iriam deixar cumprir o seu sonho de ser actor, decide evitar 10 anos de "prisão" ("uma vida") a estudar medicina e deixar de viver (um tiro na cabeça no escritório do pai). Aqui parece ser algo reactivo: depois de ter brilhado na peça da escola, o pai proibiu-o de continuar e anunciou que o tinha inscrito num futuro como médico. Nessa noite ele reagiu da forma mais categórica, permanente, irremediável e sem volta atrás. A dor que causou aos pais e aos amigos - nunca me vou esquecer (enquanto tiver memória) do Ethan (Todd Anderson) Hawke a correr pela neve em lágrimas e aos tombos e soluços pela morte inesperada do amigo que o tinha ajudado, mudado e inspirado. 

Anthony Bordain, 2018. Aos 61 anos, com uma filha de 11 do seu segundo casamento com a italiana Ottavia Busia (divórcio em 2016), morreu esta semana por enforcamento (dizem) num quarto de hotel em França, quando se preparava para gravar mais um episódio do seu programa de sucesso na CNN. Era um dos tipos que aparece na televisão nos dias que correm, mais respeitado (os seus cine-documentários apaixonantes de viagens repletas de experiências gastronómicas, culturais e muitas vivências distintas tiveram um impacto único) e mais invejado pela sua profissão de viajar, escrever, beber, comer e partilhar vivências. Era um tipo tão complexo quanto interessante e cativante. Parecia um espírito livre, para fazer e dizer o que queria. Isso era viciante, até porque tinha uma forma de olhar para o mundo e de contar histórias audiovisuais notável e original. A sua morte pode ter sido por reação, a qualquer desilusão maior que o atirou ainda mais fundo para o lado negro e negativo que já teria antes, ou um acumular de depressão secreta que poucos deveriam saber que tinha. Se foi esta última, ele teve tempo para pensar no futuro da sua filha. Pode ter achado que ficaria melhor sem ele. Pode ter pensado nos prós e contras ou ter-se focado apenas em acabar com um sofrimento que achava insuportável. 



Uma morte por reação a um acontecimento, diria que é mais evitável do que uma depressão profunda que leva a pessoa a preparar com calma e durante algum tempo a sua morte. E o que é que isso importa? É certo que o resultado final já aconteceu em todos estes casos (alguns deles ficção, eu sei). Mas se há coisa que a série 13 Reasons Why teve mérito de expor na sua primeira temporada (escusam de ver a segunda) foi que, uma palavra amiga - ou melhor, um interesse genuíno em perceber e apoiar uma pessoa em dificuldades - no momento certo a alguém que decidiu deixar de viver, pode fazer a diferença. Pode mudar uma decisão tomada por algum acontecimento. Pode aligeirar um sofrimento persistente. "O Bordain matou-se". "O Bordain!? Mas porquê?" Why?