quarta-feira, fevereiro 04, 2004

FETICHE COISAS QUE SEDUZEM

in Público - suplemento Y.

Por João Tomé


MARCO DELGADO | MOÇAMBIQUE o meu país

Tudo começou há 31 anos atrás. Em 1972, no décimo oitavo dia de Outubro, o bebé Marco Delgado nasceu na cidade da Beira, em Moçambique. Não durou muito até que a guerra trouxesse Marco e a sua família para Portugal, tinha apenas cinco anos. Desde essa altura o jovem cresceu e tornou-se actor. Mas algo de Moçambique e de África permaneceu em Marco Delgado…

“Moçambique está sempre presente em mim. Mesmo que não tenha ido lá muitas vezes, tenho qualquer coisa daquele país enraizada na minha memória afectiva e emocional. Recorro a essa sensação nos momentos mais profundos e mais sérios da minha vida privada.” Com entusiasmo, interesse e satisfação, o actor fala nas suas origens, na forma como pensar em Moçambique, ou em África, lhe transmite uma liberdade incomensurável. Talvez por isso diga:

“Este meu fetiche é se calhar algo muito mais psicológico”, confessa. Tem a ver com a sua liberdade de pensamento e de estar. Marco recorre a esta reminiscência para interiorizar uma sensação de tranquilidade, de prazer e de bem-estar que o faz pensar que: “somos tão pequeninos, quando estamos em África, ou Moçambique. De repente, não somos assim tão importantes quanto isso. Não somos o centro do mundo”, afirma com convicção.

A sensação de despojamento que as suas origens inspiram, levam Marco Delgado – o jornalista no filme “A Bomba”, de Leonel Vieira –, a requestionar toda a sua posição em relação à família, aos amigos e também à forma como trabalha na sua profissão. “Coloco dúvidas a mim mesmo porque tenho um paralelo, um exemplo. Uma coisa única e especial que me obriga a ver as coisas de uma outra forma.” revela o actor.

Foi há oito anos que regressou a Moçambique. “Voltei lá com um trabalho que fiz com o Teatro da Barraca, com o Raúl Solnado.” Depois dos primeiros cinco anos de vida passados em Moçambique, uma semana e meia, em 1995, colocou-o de novo em contacto com as suas raízes moçambicanas. “Antes nunca tinha lá voltado, nunca tive oportunidade, embora tivesse sempre muita curiosidade.”º

Como foi regressar? “Foi fabuloso!” Com um entusiasmo de quem revive emoções de uma vida inteira nas palavras, Marco recorda: “De repente parece que todas as reminiscências voltaram e tive assim uma sensação de conforto e de bem-estar, uma sensação de estar de novo em casa.” Encontrar o país em mau estado não afastou o “à vontade” que sentiu em solo moçambicano. O sol africano vai preenchendo cada vez mais as palavras do actor, que parece imaginar ao falar.

“Há uma coisa fantástica em Moçambique! É o nascer do dia, que é muito cedo e que também é algo de especial e único.” Sente-se África nas palavras de Marco Delgado. “Os dias são enormes, têm umas 15 horas, aquilo nunca mais acaba. Ás cinco e pouco da manhã o dia já está a nascer”, conta entusiasmado por recordar.

Saiu do país muito novo, com cinco anos. Lembra-se que era muito agradável viver em Moçambique. “A forma como vivíamos era uma forma descansada. Tínhamos um pombal enorme, com muitas pombas e que me dava uma satisfação única e muito especial.”

Por lá os limites do pensamento parecem maiores, enquanto “aqui parece que estamos todos muito espartilhados com muita informação, muitos valores, muita comunicação social, muita televisão, muita publicidade.” Em Moçambique Marco Delgado encontrou liberdade que transporta consigo. Por ser tão virgem ainda, tão natural e tão puro.

“Eu sinto que permaneço com essa liberdade, o que é fantástico! É de facto tudo muito grande e tudo com muito tempo.” Isso deixa o actor de 31 anos a reflectir sobre o estilo de vida mais rotineiro, mais ocidentalizado, mais “stressado” e que “não nos dá tempo para nada”. Viajar para África e para Moçambique é “um privilégio de redimensionamento do nosso espaço, tempo e vida” que Marco Delgado espera ansiosamente repetir no futuro: “assim que não estiver ´inundado` em trabalho”.