quarta-feira, agosto 27, 2014

sou um pinhão de um pinhal

Lembro-me de noites destas em casa, na casa onde cresci, no meio de um pinhal, de um campo. Eram noites diferentes, sem as luzes nem o barulho da cidade. Lembro-me de não dar particular importância à beleza a noite, da Lua, das estrelas, do grigri dos grilos e de tantos outros animais que por ali andavam. Nasci no meio de tudo aquilo, era o que eu conhecia. Era a única forma de acordar a meio da noite ou de manhã.

Pensava mais na insónia em si, no presente no passado ou num momento lixado. Imaginava mundos e histórias, inventava canções e respectivas letras que me parecia geniais mas se desvaneciam pela manhã. 
A tv também andava por ali, mas recordo-me melhor das noites de Verão em que abria a porta de casa, entrava e abraçava a semi-escuridão da noite. Os pirilampos  a piscar fascinavam-me sempre. Nunca me cansava. Era delicioso... Perseguia-os. Capturava-os. Tentava perceber porque piscavam, se piscavam dentro de casa, com luz artificial por perto, e depois soltava-os novamente nas suas casas. 
Pensando bem era bom não ter computador naquela altura. Ou melhor, até cheguei a ter cedo mas não o usava todos os dias nem era importante como é hoje para comunicar, partilhar, recolher informação e procrastinar. 
Adorava ficar deitado pela noite no pinhal, a minha rua, o meu bairro. Adorava fugir, correr mesmo, estrada fora, com medo do que se escondia no escuro do pinhal, fossem lobos, monstros ou outro tipo de males - a imaginação era fértil. 
Não há maior liberdade do que sair da porta fora e estarmos totalmente à vontade, só nós e a natureza. A possibilidade de dar um berro ou cantar toda uma canção antes de deitar ou ao acordar no meio da 'rua', fora da porta de casa, em cuecas, sem constrangimentos, é das maiores liberdades que se pode ter. Eu sei porque sempre tomei isso por adquirido, mais de 18 anos da minha vida. Anos em que fiz parte de um pequeno pinhal. Isolado. Meu. Onde sonhei, imaginei, brinquei, marquei golos, explorei, vivi aventuras, cantei, discuti, ralhei, chorei e amei. 
Por isso e por muito mais serei sempre um tipo do campo, daquele pinhal, daquele céu e daquela liberdade, mesmo que nunca me tivesse identificado com alguma da 'típica' malta do campo que não ligava a filmes nem a música, nem a tipos como eu. 
Boa noite. E bons sonhos.

sexta-feira, junho 06, 2014

i can see clearly now the rain is gone

I can see clearly now the rain is gone.
I can see all obstacles in my way.
Gone are the dark clouds that had me blind. 
It's gonna be a bright (bright)
bright (bright) sunshiny day.

I Can See Clearly Now, Johnny Nash


Os carros não têm só uma utilidade prática de nos levar de um sítio para o outro. Mesmo parados são também casulos que nos colocam no meio da realidade, menos visíveis e mais contemplativos.
Se estivermos a ouvir música no rádio ainda melhor para esta reflexão tão humana e tão moderna. Podemos estar no meio da cidade a olhar para os outros carros a passar a velocidade ou apenas a observar pessoas a fazerem a sua vida. Malta de pijama a levar o lixo à rua, idosas a passear, mães a levarem os filhos para o infantário ou jovens a irem de mochila para mais um dia recreio e escola.

Esta contemplação quase voyeur é melhor dentro de um carro. Temos a música a acompanhar o pensamento (ou vice versa). Estamos sentados e protegidos de vento, chuva ou de outros elementos e podemos meramente pensar e observar. O efeito reflexivo é semelhante se formos para uma falésia ou para o campo observar o mar ou a natureza no horizonte. Provavelmente a olhar a beleza da natureza vamos pensar mais em nós e no que fazemos aqui, já que com a natureza não temos o elemento humano a distrair-nos de nós próprios. A certa altura apetece-nos abrir a porta e entrar de novo no mundo, sentir o vento na cara e olhar sem casulos.


Tudo isto faz-me lembrar o velho anúncio da Nescafé, um clássico, com esta música maravilhosa de Johnny Nash. Desde que era miúdo que me lembro de ver este anúncio. Parava tudo o que estava a fazer para ver aquela miúda gira no carro a olhar o horizonte. Estava-se a passar alguma coisa especial ali. Não era um mero anúncio. Para mim nunca foi.A música tocava enquanto ela estava no carro e, de repente, parava. Ela procurava algo na parte de trás do carro e encontrava a lata de café. Sem se ver pormenores, ouvia-se o a abrir da tampa, o ferver do café e o servir para a chávena. Maravilhoso. Depois ela saia do carro de chávena em punho e usufruía do café, da vista e da brisa do mar, la la la. Perfeito. Poucos anúncios acertavam tanto de forma tão simples. Delicioso momento humano.

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PS: Ter auscultadores e ouvir música (no iPhone, iPod e afins) pelo meio da multidão ou da natureza cria efeitos semelhantes. Mas de carro estamos mais protegidos de tudo, num perfeito casulo só nosso. E podemos ser mais observadores passivos, de outros humanos ou da natureza.

quarta-feira, maio 21, 2014

a love letter to my portuguese West

Um pequeno vídeo tolo fez-me lembrar como foi bom crescer nessa bela localidade que é as Caldas da Rainha (onde incluo ainda o Oeste de Portugal).

Aqui ficam memórias caldenses. 

Sair da escola e passear pela rua das Montras, ver as babes, ir à Praça da Fruta, passar pelo Parque (onde se jogava ping pong ou se apanhava molha em passeios de barco agitados no Verão).0
Iir à Upacal e comer um salame, ou passar pelas lojas do Parque, levar uns deliciosos Beijinhos. Ou, no Verão, ir experimentar os sabores novos na gelataria Puzzle (e ainda ver as novas figuras com pénis XXL prontos a sair de fora ao mero puxar de um cordel).

No Verão, a malta ia quase todos os dias de bicicleta até à praia: o Alto do Nobre era a subida de montanha da viagem; a fonte dos Namorados era o ponto de paragem obrigatório para esperar pelos lentos e beber água, no caminho até à Foz do Arelho - 15 quilómetros para cada lado que envolviam uma corrida diária entre os presentes, claro.

Nesses mesmos verões, sempre que queríamos fazer mais uns quilómetros de bicla, metíamo-nos pelo verde Nadadouro, com vista para a Lagoa de Óbidos, ou pelos caminhos menos conhecidos (de subidas complicadas) até ao meio da Estrada Atlântica (entre São Martinho do Porto e a Foz).
Certos dias íamos no autocarro saltitante estilo "mar alto" das Caldas até à Foz, onde havia sempre gente conhecida e o Ricardão não perdia oportunidade de assustar alguma miúda com o seu olhar fixo pseudo-sensual.
Na Foz - onde o ponto de encontro era sempre "junto à Bandeira" - jogava-se à bola umas horas, via-se as babes, dava-se mergulhos criativos (por vezes dolorosos) na Lagoa e combatia-se as ondas rebeldes durante horas no 'mar'. Muitas vezes (já sem o Lipinho na praia) só saíamos com o pôr do sol - lembras-te, Robert Charruadas?

Aos fins-de-semana podíamos ir de carro até Peniche, apanhar o barco até às Berlengas (fiz isso vezes a menos!).
Mais frequente foi: ir em famelga e de farta merenda na carrinha do meu Tio Zé almoçar no pinhal do Outro Lado da Foz. Depois do almoço que envolvia frisbees, cartas e afins, a tarde era passada na gigante Praia Del Rei, onde haviam nudistas lá ao fundo e o areal (com riachos com ligação ao mar pelo meio) parecia não ter fim. Por lá lembro-me de jogar aos Gladiadores Americanos ou aos penáltis com o Nuno Vinhais, de jogar raquetes até cair para o lado com o primão André Ramalho ou o daddy e de ficar vermelho, estilo Índio, como um pimento.
Quando havia vontade de fazer mais do que 20 quilómetros e ir para a confusão, íamos ao Baleal aproveitar aquele mar perfeito (entre o calmo e o ondulado o suficiente para o surf) e areal delicioso.
Mais tarde, já andava na faculdade em Lisboa, comecei a frequentar com a malta aos fins-de-semana ou nas férias Supertubos. Passou a ser a praia de eleição no Oeste, mais calma, com boas ondas e relativamente perto.

Voltando atrás, aos tempos de Secundário: em Agosto, nos verões em que não ia aprender a trabalhar com o meu Tio Júlio, ou descansava na loja do meu avô a fazer descontos a clientes, a ler as edições desde 1970 da TV Guia ou os desportivos sobre os milhares de reforços do Benfas, ou em alternativa juntava-me à (fictícia) Associação Sindical do Apanhadores de Pêra Rocha Universitários do Oeste.
Na Pêra, em plena aldeia da Sobrena, os dias começavam pelas 8h em ponto - a viagem começava pelas 7h20 a partir das Caldas, no Fiesta preto do Sérgio, com tudo ensonado.
Depois de boas histórias partilhadas, muita pêra comida, apanhada e atirada violentamente para os vários jovens camaradas da Pêra, o dia chegava ao fim com arranhões nos braços e pernas - a malta era acrobata nas Pereiras - e bronze à pedreiro (ao almoço havia um 'endireita' disponível).
A viagem de regresso de Fiesta pela mítica Nacional 1 era mais animada: envolvia corridas de carros, rabos à mostra para quem ia de mota (o Ruben era a vítima), buzinadelas para os velhotes que iam junto à estrada (cumprimentavam-nos sempre!) e conversa na língua russoviesky, onde o grande Cardozo era especialista doutorado.

'Olhando' para trás, penso:Jim Morrison é que tinha razão: «Carry me, Caravan, take me away
Take me to Portugal...»    «The West is the Best». 

E para mim confirma-se: o Oeste é melhor, pelo menos para mim foi.

terça-feira, maio 20, 2014

sortido de memórias

Ando constipado. Dor de garganta, tosse, um pouco de febre, the works. Nestas alturas lembro-me sempre dos remédios milagrosos e naturais da minha mãe que havia lá por casa. Chupar metade de uma fatia de limão com açúcar ajudava à dor de garganta. A calda da cenoura embebida em açúcar ajudava à tosse e até saboroso era.
Para a dor de dentes, bochechar com aguardente ou whisky ajudava. Saudades.
Fora de doenças, Sopinhas de Leite (delícia), Gemadas e um mix de gemada com farinha (massa se bolo) eram presenças gastronómicas à noite ou de madrugada.

sábado, março 08, 2014

o sol saiu à rua num sábado assim

Um tipo entra na Mango da Baixa por dever conjugal e entre bifas e tugas só ouve expressões como:



que giro; 
é lindo; 
o XS fica-me apertado; 
este fica mais comprido; 
o outro fica melhor; 
é giríssimo; 
aqui fica muito folgado; 
este fica mais curto mas é transparente; 
estás mais magra; 
estou a precisar de ir ao ginásio; 
the pants are weird but the jacket is supernice; 
oh, is lovely; 
ah tão giras; 
adoro; 
vou experimentar o S; 
esta não quero; 
aqui nos braços está curto e eu não gosto dos meus braços; 
o rabo fica bem?; 
should I try it again?; 
nas mamas fica bem?
não sei onde estão os sapatos da montra; 
a diferença para o XS não é muita; 
vou vestir a outra, já não sei de nada; 


Pelo meio uns homens com cara infeliz atrás das respectivas entre a algazarra e outros homens excessivamente eufóricos, com amigos respectivamente felizes por andar nas compras.
PS: a Baixa está a abarrotar de gente.