Porque é que nos apegamos tanto a certas coisas materiais?!?!?!?
Não, não estou propriamente a falar das coisas que são mais caras, que custaram-nos mais dinheiro ou que têm mais qualidade...
Estou mais a referir-me às pequenas coisas, que não só já não tem grande valor, como têm problemas provocados pela muita utilização e a velhice. Aquelas COISAS que têm um valor sentimental, não por serem queridinhas ou fofinhas, mas por fazerem parte da nossa história, de diferentes percursos que fomos tomando nas nossas vidas. São COISAS a que nunca pensámos ficar apegados, não propriamente bonitos e muito menos motivo de orgulho, mas que estiveram lá, em tantos momentos, foram importantes e atravessaram diferentes épocas das nossas vidas.
E o que é que é, neste caso em particular?
História de uma motinha (coisa) que mudou uma vida
Uma pequena Scooter, velha, gasta, feia e que pede há muito tempo pela reforma. Nascida no ano de 1994, com matricula LRS - respeitante ao concelho de Loures -, teve uma vida difícil. A sua dona (residente em Póvoa de Santa Iria da Azóia), ao cair com ela, numa rotunda, decidiu não pegar mais nela e acabou por deixá-la guardada durante um ano ou dois, após isso surgiu um rapaz que acabou por ser obrigado a comprá-la, quando nem era aquela que tinha em mente. Era verde escura, nada bonita e muito menos estilosa. Apesar de não ser a mota dos seus sonhos, o jovem novo dono sentia-se bem por ter um meio de transporte para poder ir para a sua Escola Secundária Raúl Proença, nas Caldas da Rainha, sem a boleia dos pais todos os dias, para ir, e vir. Era uma liberdade fantástica, para além de poder andar de mota acabar por ter sido uma paixão que descobriu. Teve de tirar a carta numa escola de condução, de mota de 125 cilindrada, para poder ficar logo com o código para a carta de carro, já feita. Depois de passear numa bonita e nova mota de 125 cilindrada, o jovem voltou à sua motinha para o dia a dia. Certo dia o jovem foi viver para Lisboa, para poder tirar uma licenciatura numa universidade que até se chama nova. Deixou a sua mota, na cidade natal, onde só a utilizava de meses em meses por brincadeira. A irmã do jovem, mais nova, começou a tentar conduzi-la, apenas por poucos metros. Terminado o curso, passados 4 anos, o jovem vai estagiar para uma rádio lisboeta, que gosta de se ver relacionada com as telefonias sem fios. Devido à rádio ficar numa zona junto ao rio, chamada Matinha, com poucos transportes públicos, o jovem decide abraçar a velhinha mota e trazê-la para Lisboa. Durante um ano e dois meses o jovem andou todos os dias com ela, em Lisboa, por entre sol, chuva, temporal, muito vento, pisos escorregadios, muito trânsito...
nos últimos meses, desde Março, o jovem fazia por dia de 50 a 80 km com a sua pequena motinha. Desde Março, manteve várias vezes, em muitos meses, dois empregos, pelo que a distância e o número de horas que andava de motinha por dia ia aumentando. Desde Setembro o jovem passou a andar diariamente num cubo lisboeta, entre Benfica, Arroios, Parque das Nações e Algés - que a meio de Novembro se tornou Carnaxide. Tudo destinos bem afastados.
02h20m
Numa certa madrugada de Domingo para Segunda, o jovem vem com a sua motinha de Carnaxide, desesperado para ir para casa, após ter estado a trabalhar até tarde no jornal (o seu segundo emprego, desde Setembro), a pensar nos seus lençóis na Calçada de Arroios. Todo o seu percurso de anos, entre si e a sua motinha muda quando, numa ponte matreira, com socalcos altos entre as junções das diferentes placas da ponte em Algés, o jovem ao começar a descer - ia devagar - num dos socalcos, a motinha derrapa no piso molhado, pela chuva de há uns minutos atrás, e o jovem vem embrulhado com a mota uns bons metros a escorregar pela descida de pequena ponte. A motinha fiel e companheira de tantos anos, e momentos, ficou com a roda da frente totalmente torta e em muito mal estado. O jovem, que veio a descer embrulhado nela, não queria acreditar, como a mota escorregou e saiu debaixo do seu corpo, arrastando-o durante alguns metros. Ao contrário do que aconteceu à mota, o jovem teve a sorte - bem grande - de não ter tido sequer um arranhão. Teve a sorte de vir com luvas polares, que protegeram-lhe as mãos, que esfregaram durante uns metros no alcatrão. Ficou com um bolso das calças destruido e pouco mais. Se viesse depressa o jovem teria embatido com estrondo nos rails da ponte, que ao descer ainda fazia uma curva, e teria-se magoado a sério. Imobilizado no meio da ponte, com a mota ao seu lado, o jovem olha para trás e só pensa em TRÊS coisas --- "ISTO NÃO ME ESTÁ A ACONTECER... COMO É QUE ISTO ACONTECEU?!?... SE NÃO SAIO DAQUI DEPRESSA COM A MOTA, VOU SER ATROPELADO...
Com este pensamento o jovem utiliza todas as forças que lhe restam, que nem sabia que tinha, para pegar na mota pesada até uma zona onde exista lancil, de forma a sair do meio da estrada. Com as rodas imobilizadas, sem rodar nem ajudar, o jovem teve de pegar e arrastar a mota. Apenas ficou com o corpo durido da queda, e do essencialmente do arrastar da mota. Ficou no jovem uma adrenalina negativa impressionante, com o sangue a correr pelas veias com uma força imensa. Uns exercícios, no meio da relva, mesmo junto à Torre de Belém, para tentar ver se estava todo inteiro e o resto foi reboque e tristeza. Ao olha para a mota, o jovem sente-se triste, não só por deixar de ter transporte, tão importante para a quantidade de coisas que fazia, como também por olhar para a mota, agora, como algo morto. Que morreu... estava ali, aleijada e como que inutilizada. Ao deitar-se à 4h da manhã, daquele dia 29 de Novembro, o jovem sentiu-se diferente, como se tivesse acordado para um outro estado de consciência. Algo mudou na sua vida, e a sua pequena motinha, mais parece agora um ser, que viveu e acabou por morrer naquela noite.
E como a vida dele ainda continuou, às 8h30 do mesmo dia, o jovem estava a entrar no seu primeiro emprego do dia, na bonita Vodafone.