É perturbante voltar a um local em concreto onde perdemos alguma coisa importante para nós. O local onde nos foi roubado o nosso único meio de transporte (uma mota, por exemplo), que modificou por completo a vertente temporal da nossa vida nos últimos tempos é um exemplo de um bem material muito útil e que faz mesmo muita falta. Passar por esse local causa-nos um calafrio, um engolir em seco que nos perturba e irrita, especialmente nos primeiros tempos. Depois, mais tarde, quando passamos de autocarro, olhamos para o local com algum tristeza, com uma secreta esperança de ainda podermos recuperar o bem roubado, extropiado, levado de forma cruel e injusta. São sentimentos fortes, mas muito diferentes de quando perdemos num local, em particular, algo mais importante na vida, sentimentos e pessoas.
21 GRAMAS
Neste filme de Alejandro González Iñárritu existe uma cena bastante perturbante [existem muitas, mas esta chamou a minha atenção, quando revi o filme esta noite na RTP1]. A personagem interpretada pela brilhante actriz Naomi Watts, Cristina Peck, vai ao local onde o marido e as duas filhas morreram atropelados por um carro há uns meses. O sofrimento de tanta perda numa vida que, antes, corria um certo rio alegre e feliz; o significado de um lugar tão especifíco e que trouxe tanto mal, mágoa e tristeza intensa é brutal. São sensações demasiado emotivas e significativas para serem banalizadas, e esse mesmo local torna-se num pequeno santuário da memória dor, da visualização mental da morte de pessoas tão importantes na vida de uma outra, que lhe davam um rumo e significado.
O ser humano dá o significado que a sua mente quer e necessita, a pessoas, locais e situações. Nesta cena do filme pessoas, locais e situações concentram-se em toda uma cena, em toda uma memória de dor e de perda.
A vida humana é feita destas pequenas grandes coisa, pequenas grandes mudanças de rumos de uma vida. Cada acontecimento desencadeia outros sucessivos, uns mais determinantes que o outro. Não nos podemos esquecer que, a qualquer momento, poderemos viver/atravessar um momento determinante, um oportunidade ou desgraça charneira na nossa vida; mas também não podemos viver obcecados com isso, senão é como não vivessemos verdadeiramente.