quinta-feira, janeiro 12, 2006

a descobrir o sul

12-01-2006
2:47

Acabei de ler o livre Sul, de Miguel Sousa Tavares.
Não li o livro todo, infelizmente, 2 horas e 35 minutos não chegam. Mas li aquilo que me cativou, à primeira vista, mais. É um universo de descoberta, tudo o que ele cria. Como o próprio diz, é um contador de histórias, um bom contador de histórias, com uma cultura geral e especifíca enriquecida e ornamentada por uma educação, por uns pais, amigos e uma vontade própria imensa.
Ao ler não posso deixar de sentir uma pequena inveja. Ao mesmo tempo, sinto uma enorme alegria por poder saborear, mesmo apenas lendo, as aventuras. Sinto tristeza por ter a certeza que nunca poderei fazer tudo aquilo que ele fez, mesmo que passe por locais que ele passou, sinto que tudo estará diferente...
Existem muitas passagens fantásticas, mas uma das minhas preferidas é mesmo:


Marraquexe. Ver aqui belas fotos. Já hoje, dia 14 Janeiro 2006, encontrei esta reportagem sobre a cidade marroquina feita muito recentemente.

"Lá fora, sobretudo quando viajo sozinho, sou um homem novo, sem destino, sem passado nem futuro: apenas o tempo que passo. E assim, porque sou verdadeiramente livre e desconhecido, acontece-me frequentemente tornar-me amigo íntimo de pessoas que acabei de conhecer há meia dúzia de horas." (...) "Disse-me uma vez, numa dessas constrangentes despedidas, um amigo sarahui: "Os que não morrem, encontram-se." Mas aprendi que não era verdade, infelizmente. Quanto muito, poderia talvez acreditar que os que se encontraram nunca mais morrem na nossa memória. Mesmo que apareçam tão somente assim, esporádicamente, do fundo de uma gaveta, onde vive, arquivada, a luz dos dias felizes."

Falou e disse e viveu e explorou e aventurou-se. Sinto desejo de explorar apenas ao ler este livro. Vi passagens nele que fizeram recordar outro momento inspirado na minha vida.
Engraçado que foi com a mesma pessoa, Miguel Sousa Tavares. Entrevistei-o no final de 2003, para o suplemento do Público Y, para uma secção que já não existe intitulada FETICHE. O Fetiche de MST era mesmo: o deserto. "Ninguém deve morrer sem ver o deserto" disse-me ele em tom de conclusão de esperança, e não muito realista. MST não é uma pessoa fácil, ou melhor, não atura pessoas chatas, nem situações chatas apenas para aparecer. Deu-me a entrevista somente por se tratar do Público e porque eu soube cativá-lo para o assunto.


Não me esqueço do sitio onde estava, não poderia ser mais intimidante para mim: a sala de reuniões principal do jornal. Onde se fazem, todos os dias as grandes reuniões, as grandes entrevistas... O telefone estava no alta voz, o gravador com problemas, valeu o "salvador" Nuno Pacheco, que depressa se preocupou, como é seu timbre, e emprestou o dele. Expliquei a situação a MST, e ele acedeu à pequena entrevista. Valeu uns 4.800 caracteres, depois de uns cortes necessários. A verdade é que foi estupenda, como não pensava que pudesse ser. O assunto fascinava-o a ele e a mim. No início começou por contar, como quem já falou naquela história, como quem que já repetiu 1000 vezes a mesma coisa. Depois tentei espicaçá-lo, inquirir com curiosidade pura, aí começou ele a fluir pensamentos profundos.
O irónico é que ele fez tudo isto enquanto estava a sair de casa. Ouvi-o a sair de casa, falar com a esposa e a filha, entrar no carro, o bater das portas. Mais palavras à mulher. Continuava sempre a contar, a voltar ao lugar de onde me disse que queria voltar, sempre, o deserto.

Para um jovem de 22 anos, acabado de sair da faculdade, vindo das Caldas da Rainha, sentia-me em combustão criativa, a ouvir alguém tão interessante, a poder descobrir mais, a inquirir mais. No final já tinha material para sobrar, em muito, e havia a sensação que poderia ter prolongado o telefonema por mais umas horas, mas ele não podia, eu não podia, e desvirtuaria o contexto, uma entrevista para o jornal Público.
Foi um bom momento, numa altura, ainda por cima, em que TODOS, sem excepção, me diziam que o MST não gostava de dar entrevista, ainda para mais a pessoas que não conhecia, ainda para mais a jovens pirralhos acabados de sair da redacção. Enfim, enganaram-se, ainda bem. Da inspiração provinda desse momento, saiu um artigo do qual me orgulho, onde penso que incuti um cunho literário, e algo pessoal. Saiu também a experiência, que não concretizei em nada em concreto, mas quem sabe, talvez um dia tenha oportunidade de concretizar. Falta-me uma coisa, procurar com maior veemência essa oportunidade.

SUL é assim, inspirador de frustrante. Limitado e cativante. É limitado porque é aquilo, é tanto, mas poderia ser tanto mais, poderia ser a aventura em si, claro, mas queriamos tanto ver mais fotos, ver mais videos, ler mais coisas...

O que não encontramos aqui, vamos encontrando espalhado pelos outros livros de MST. NÃO TE DEIXAREI MORRER DAVID CROCKET, o primeiro que li de MST, faz-me chegar à conclusão simples, que mesmo uma pessoa com vivências tão distintas e intensas como MST também limita aquilo que o marcou. Notam-se as ideias semelhantes, ou não fosse ele, ele próprio, com as suas características intrínsecas. Embora, como ele diz, quando viaja é mais livre dele próprio, e ainda bem.

A minha ex-chefe e amiga, Cristiana, viaja neste preciso momento pelo mundo fora. Neste momento está na Austrália. Serão três meses de aventura, com o marido e o mundo. Curioso como não senti qualquer tipo de ciúme quando ela partiu. Aliás, ouvi comentários de colegas a dizer que tinham inveja (positiva). Engraçado como agora, que tenho lido o blog dela, que acabei de ter estas reminiscências pessoais, sinto estava vontade de viajar, escrever e registar, abraçar e explorar o planeta.

O que fazer? Sonhar e morrer na insignificância de "vidinha". Adeus!

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PROMESSA: faltam 3 meses 3 semanas e 4 dias para cumprir o suícidio. Uma semana antes de fazer 25 anos. O quarto de século com que os irreverentes e os mitos morrem.