Da série: coisas/divagações que um tipo escreve durante um voo...
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A muitas milhas acima da superfície terrestre, num avião a caminho de
alguma cidade europeia nessa mesma superfície, dou por mim a pensar no
que irá na cabeça de um outro ser humano. É uma rapariga, nos seus trintas, loura, bonita, e com um sorriso constante, contagiante e bonito.
Está cá em cima, no ar, a cumprir um trabalho, uma missão, protocolos e
regras especificas. É a sua ocupação, aquilo que faz para ter os meios
para viver a sua vida, comprar as suas coisas.
Quando olho para
ela vejo dever, obrigação, e fico indeciso sobre o que aquele sorriso
brilhante esconde por trás. Analisando o sorriso e a linguagem corporal,
vejo um misto de obrigação e algum prazer no trabalho. Não vejo o
sorriso 100% genuíno, alterna entre o 10% - para certas pessoas menos
afáveis ou parvas – e o 90 a 100%, para pessoas ou situações mais
próprias se sorrir genuinamente.
Acabei por contar, nas
operações de distribuição de comida aos passageiros deste pássaro
mecânico voador, uns 5 a 10% de tempo em que assistente de voo (antiga
hospedeira de bordo – designações leva-as os vento, ao estilo fiscal de
linha vs árbitro assistente) não estava a sorrir. É obra. Deve ser
difícil conseguir sorrir tanto tempo. Só uma pessoa de sorriso fácil
conseguiria tamanha tarefa hércula. Ainda assim com o passar dos anos
pergunto-me quanto se perdeu de sorriso genuíno e o acto de sorrir não
passou a ser mais obrigação.
Claro que nem todas as assistentes de bordo sorriem assim, há
algumas mal encaradas, pouco sorridentes (ou com sorrisos bem mais
forçados e pouco credíveis). Este sorriso é credível, mas deixa margem
para me questionar quem é esta rapariga, quão genuíno é o seu sorriso e
porque é que as pessoas têm o dever de sorrir em certas ocupações. É
perceptível que se incentive a simpatia.
O sorriso é um bem que não devia ser transaccionado. Será que
neste caso está a ser. Provavelmente vem mais da pessoa do que da mera
obrigação. Não me queixo do belo sorriso da rapariga loura, bem pelo
contrário. Mas um sorriso tão duradouro deixou-me na dúvida.
Lembro-me de um estudo que dizia, com alguma propriedade, presumo, que
sorrir é contagiante e as humanos deviam tentar sorrir mais porque só
esse acto pode ser positivo para a sua alegria e felicidade diárias. Eu
sou daqueles que acha que um sorriso constante, ininterrupto, esconde
qualquer coisa mais negra em algumas situações, pode funcionar como uma
capa, máscara, pouco real e que mascara a realidade.
Mas uns quantos sorrisos por dia, nem sabem o bem que vos fazia (ok, até sabem, foi só para rimar). Despeco-me como comecei:
Muitos sorrisos para todos.