sábado, novembro 26, 2005

adeus, não afastes os teus olhos dos meus

Rapariga a chorar no metro. Cabeça para baixo, encostada ao vidro. Sentada. Pessoas sentam-se mesmo em frente dela. Reparam que chora... tentam olhar para outro lado.
O que fazer? Numa aldeia - digo eu - alguém perguntaria de imediato se poderia ajudar, o que se passa... Na cidade a anomia social que as aulas de geografia ensinaram, e que eu me mostrei algo relutante em acreditar, parece tomar conta da maior parte das pessoas. Vejo isso acontecer todos os dias. Ou então o oposto, pessoas a meterem-se nos assuntos e na vida dos outros quando não devem: velhos nos autocarros da Carris. Parecemos cada vez mais desintegrados da nossa condição humana, à medida que ficamos cada vez mais integrados na vida urbana. Vamos ficando mais "embrulhados" na rotina morosa, nos tempos mortos imensos, que não sabemos já olhar à volta, ver as coisas boas e as coisas más.

As pessoas nas cidades parecem cada vez mais afastadas da realidade que circunda à sua volta, incapazes de ajudar alguém que precisa de ajuda. Claro que existem excepções, felizmente. Mas as desilusões vão fazendo com que as pessoas mais atentas e capazes de ajudar comecem a desistir. Ou porque ajudaram e ainda foram, depois, maltratadas verbalmente, ou porque foram assaltadas pela sua boa vontade ou distracção. Na cidade não convém sermos distraídos, especialmente com as nossas coisas. Corremos o sério risco, andando de transportes públicos, de ficarmos sem telemóveis, carteiras, entre outros objectos, que algum gatuno agarrou indevidamente. Ou pior: ficarmos sem o nosso transporte, se calhou estarmos no local errado à hora errada, como pode exemplo, motas... [it happen to me!].

A anomia social parece tomar conta do mais resistente dos seres, se não for totalmente é parcialmente. Já não aceitamos com tanto bom grado, os folhetos publicitários, não damos esmolas - ou teriamos de dar de cinco em cinco minutos [há quem dê].
Somos um produto manipulado constantemente: Seja no valor especulativo que pagamos pelas casas no centro ou periferia de uma grande cidade - valores exorbitantes quando existem milhares de prédios vazios e abandonados em Lisboa; Seja naquilo que compramos e ao preço que compramos, tudo manipulado pelas máquinas de marketing das empresas, que procuram vender produtos a outros produtos, nós.
Somos produtos criados por um sistema caduco de democracia, de organização de cidades, de publicidade excessiva e agressiva. Para um qualquer lugar em que nos viramos numa cidade como Lisboa existem outdoors, publicidades enormes, que circundam tudo e todos. É-lhes impossível escapar. Não há nada para aprender neles... apenas tentativas de nos convencer a não esquecer uma determinada marca, que ganha tanto dinheiro com aquilo que compramos, que se dá ao luxo de gastar mais uns milhões em nos inundar com publicidade, na expectativa de nos fazer comprar em massa um produto - mesmo que não seja necessário para o nosso bem estar. O convencimento está feito. Cansa viver na cidade. Não admira que tantos saiam dela. Claro, as vantagens também são boas... a cultura, arte, as instituições, o movimento. O controlo político também está lá...

Banda sonora do post:
"We all live in this democracy
Th_ought
It's not that clear who's the enemy
There's nothing here to learn"
David Fonseca - Bu_urn